Um experimento de foto promocional da época. Este pobre pendrive desapareceu em 2018 |
Em 2011 a DB ainda era uma banda underground bastante convencional: o show era composto por covers quase na totalidade e ainda começávamos a definir nosso estilo. Músicas autorais, por enquanto, só Luar do Pontal (a primeira música que gravei na vida) e De Cara no Blues, herdada da falecida The New Old Jam. Nesse mesmo período eu conseguiria, finalmente, terminar a letra e melodia de Blues do Covarde, depois de anos com alguns versos escritos num antigo caderno da faculdade. A naturalidade em compor começou a aparecer depois do retorno de Rômulo Fonseca à banda. Com ele, eu me sentia mais à vontade para mostrar alguma criação. Como ele sempre se saiu muito bem com harmonia, eu criava o "esqueleto", gravava toscamente, mandava pra ele, que trabalhava alguns arranjos básicos para, então, gravarmos um vídeo-protótipo (há vários em nosso canal no YouTube).
Mas, e a letra? De onde veio essa maluquice?
VOCÊ ROUBOU O MEU PENDRIVE
(I. Malförea)
Você roubou o meu pendrive
Não esperava isso de você
Mas você roubou o meu pendrive, baby
Antes que eu pudesse ver
Levou todos os meus blues
Isso nunca vou esquecer
Você não faz nenhuma ideia, baby
Da besteira que fez
De forma alguma faz ideia, baby
Tamanha a sua estupidez
Vou atrás de você até o fim do mundo,
Além até do istmo de Suez
Nesse pendrive
Estão todos os blues que eu fiz
Oh, no meu pendrive
Todos os blues que eu fiz
Perdi todo o meu back-up (droga, girl!)
Só no pendrive os garanti
Devolva meu pendrive
É o que deve fazer
Aguente as conseqüências
Se não devolver
Meu pendrive
Com todos os meus blues
Eu vou fazer um chaveiro, baby
Com seus olhos azuis
Não formate meu pendrive
Não delete arquivo algum
É verdade, acredite
Não lhe farei mal algum
Meu pendrive
Com todos os meus blues
Não ter back-up é vacilo, eu sei
Mas já iria fazer um
Você roubou o meu pendrive
Nunca esperei isso de você
Mas você roubou o meu pendrive na cara dura, baby
Sem que eu pudesse ver
Levou todos os meus blues
Isso nunca vou esquecer
Até hoje, esta é uma das músicas mais populares entre nosso público. Sempre pedem para tocá-la. Realmente, é um filho com vida eterna que coloquei no mundo.
KARAOKE-JOES EDIT
Quando gravamos 2012, Miopia, a banda já havia decidido encerrar as atividades, depois de uma série de decepções. Como tínhamos uma dívida de cachê para receber, que foi convertida na gravação desse outro clássico nosso, pensei que uma só música era muito pouco. Eu só lembrava daqueles discos de singles de antigamente, que eram chamados de compactos aqui no Brasil. Eu precisava de uma segunda faixa para o "lado B". Thomaz havia me passado todas as pistas de Pendrive separadas, o que me permitia criar infinitas versões da música (inclusive ainda pretendo compor uma outra letra e gravar com esse instrumental, porque eu realmente gosto muito desses violões). Vi que alguns artistas estavam lançando versões "karaokê" nas novas plataformas de streaming. O MP3 já passava a ser, gradativamente, coisa do passado. Sempre achei interessante ver versões diferentes de uma música que eu gosto. Por que não fazer o mesmo aqui?
Ludoblues (que deu o nome à banda, interpretou Robert Johnson no clipe de Na Trilha do Blues e contribuiu bastante para nossa identidade e terá um artigo próprio também), irmão de Rodrigo, sempre me mandava uns áudios malucos, com ele tocando violão em casa. Os celulares ainda não eram smart, então a qualidade do áudio era como a de Extempore Blues: toscas, como se tivessem sido gravadas em 1920. Pensei: "perfeito"! Juntei com uns aúdios que eu já tinha (como o chiado do disco de Missing My Baby), editei uma dessas gravações de Lú e estava criada a primeira versão sem voz de uma música da DB. "Agora... Mais uma dose de blues. Come on!". Nesta, a risada de Maria Clara ficou de fora.
OUTRAS VERSÕES
Depois, ela ainda apareceu no álbum Shut Up!, com outra mixagem, sem a apresentação de Ludoblues, nem o barulho do Windows XP, mas com a risada. Temos, ainda, um registro ao vivo nas CCCJL Sessions, gravadas em 2016, projeto gravado no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, antes de ser reformado. Nessa série de vídeos, sempre falávamos um pouco sobre cada música gravada.
(I. Malförea)
Você roubou o meu pendrive
Não esperava isso de você
Mas você roubou o meu pendrive, baby
Antes que eu pudesse ver
Levou todos os meus blues
Isso nunca vou esquecer
Você não faz nenhuma ideia, baby
Da besteira que fez
De forma alguma faz ideia, baby
Tamanha a sua estupidez
Vou atrás de você até o fim do mundo,
Além até do istmo de Suez
Nesse pendrive
Estão todos os blues que eu fiz
Oh, no meu pendrive
Todos os blues que eu fiz
Perdi todo o meu back-up (droga, girl!)
Só no pendrive os garanti
Devolva meu pendrive
É o que deve fazer
Aguente as conseqüências
Se não devolver
Meu pendrive
Com todos os meus blues
Eu vou fazer um chaveiro, baby
Com seus olhos azuis
Não formate meu pendrive
Não delete arquivo algum
É verdade, acredite
Não lhe farei mal algum
Meu pendrive
Com todos os meus blues
Não ter back-up é vacilo, eu sei
Mas já iria fazer um
Você roubou o meu pendrive
Nunca esperei isso de você
Mas você roubou o meu pendrive na cara dura, baby
Sem que eu pudesse ver
Levou todos os meus blues
Isso nunca vou esquecer
A COMPOSIÇÃO
Bom, acho que tudo começou com alguém me dizendo, certa vez, que a DB era uma banda séria demais. Não lembro quem disse (talvez Ed Goma, baterista da Ladrões de Vinil), nem quantas pessoas disseram algo do tipo, mas tenho uma lembrança disso e de ficar, de certa forma, encucado, porque o clima entre os integrantes era muito bem-humorado, com todos "pirraçando" todos, e muitas risadas. Isso ficou na minha cabeça. Uma preocupação minha na época era definir nosso estilo: se seríamos sérios, sarcásticos ou gozadores, formais ou largados, se seguiríamos os estereótipos do blues ou não, se ficaríamos no blues ou se retornaríamos ao rock n' roll da The New Old Jam... Uma coisa era certa: seríamos uma banda autoral. Meu processo de composição (hoje) é bastante claro: fico matutando alguma temática, mesmo de forma inconsciente por um tempo, até surgir uma frase que puxa todo o resto. Isso pode demorar minutos ou anos. "2012, Miopia" surgiu exatamente assim: me veio a frase "eu vejo que tudo está no fim", e o resto foi na cola.
Bom, acho que tudo começou com alguém me dizendo, certa vez, que a DB era uma banda séria demais. Não lembro quem disse (talvez Ed Goma, baterista da Ladrões de Vinil), nem quantas pessoas disseram algo do tipo, mas tenho uma lembrança disso e de ficar, de certa forma, encucado, porque o clima entre os integrantes era muito bem-humorado, com todos "pirraçando" todos, e muitas risadas. Isso ficou na minha cabeça. Uma preocupação minha na época era definir nosso estilo: se seríamos sérios, sarcásticos ou gozadores, formais ou largados, se seguiríamos os estereótipos do blues ou não, se ficaríamos no blues ou se retornaríamos ao rock n' roll da The New Old Jam... Uma coisa era certa: seríamos uma banda autoral. Meu processo de composição (hoje) é bastante claro: fico matutando alguma temática, mesmo de forma inconsciente por um tempo, até surgir uma frase que puxa todo o resto. Isso pode demorar minutos ou anos. "2012, Miopia" surgiu exatamente assim: me veio a frase "eu vejo que tudo está no fim", e o resto foi na cola.
Lembrei de uma música do último disco do meu ídolo Raul Seixas, com Marcelo Nova: Você Roubou o Meu Videocassete. Desde a adolescência achava esse título engraçado (embora a música em si esteja longe da minha lista de favoritas) e pensava que seria legal um dia criar uma música com título maluco também. Como disse, essas coisas podem ficar anos dormentes na cachola até resolverem dar as caras. O gatilho foi um vídeo que "viralizou" muito (sendo que essa expressão ainda estava longe de aparecer) no ainda recente YouTube. Por incrível que pareça, hoje virou coisa de velho: quem não se lembra do famoso Pedro, me dá o meu chip?
Era um vídeo muito simples: alguém filmou, da janela de seu apartamento, uma garota num acesso de fúria, aos berros na porta da casa do ex-namorado, pedindo (ordenando) que ele devolvesse o chip do seu celular. Depois descobri que era madrugada, o que deve ter sido uma maluquice sem tamanho para a vizinhança. O vídeo saiu da internet e ganhou a TV aberta, numa época em que isso ainda era raro. Passou em todos os telejornais, até mesmo no Fantástico. O coitado do Pedro deu entrevistas explicando o acontecido, e até mesmo o taxista que levava a garota teve seus minutos de fama. Todo mundo viu esse vídeo pelo menos uma vez.
Depois de todo o espanto e de dar muita risada da situação, sabe-se lá o porquê, associei esse vídeo a uma situação muito comum em empresas, escolas, etc.: as pessoas pegam coisas emprestadas e não devolvem. O mais comum é canetas, mas, nessa época, o pendrive era bastante popular. Então, se uma pessoa queria imprimir um documento ou levar para alguém (a internet ainda não era tão unânime como hoje: ainda havia lugares sem ela e smartphones eram, ainda, uma desajeitada novidade), ela salvava num pendrive e o levava para tal tarefa. As pessoas costumam esquecer dessas coisas pequenas, que facilmente se perdem em gavetas ou bolsos. Um pendrive não era tão barato, ao menos para mim. Não vi ninguém surrupiando pendrives, mas associei uma coisa a outra. Eu não tinha dinheiro para nada. Ficaria MUITO chateado se alguém roubasse meu único pendrive (o da foto no início do post, que acabei esquecendo numa gráfica, anos depois) dessa forma.
A DB precisava de músicas novas, então, não lembro como, escrevi a letra. Recapitulando, depois da música de Raul, de alguém nos acusar de sérios demais, do vídeo no YouTube, dos roubos de canetas, da necessidade de a DB ter músicas suficientes para lançar um EP autoral e a temática do blues. Imaginei o meu caso, que sempre andava por aí com muitos arquivos importantes no pendrive, muito mais prático e seguro que mídias CD-R. Criei uma historinha, onde um compositor de blues usou o pendrive como back-up de suas letras enquanto formatava o PC. Conheceria uma garota que roubaria seu pendrive enquanto ele dormia. Daí em diante esse personagem seria apenas desespero e fúria. Em 2015 até criei um texto para ser falado nos shows antes de tocarmos essa música (o que nunca aconteceu), e ele ainda está na descrição do vídeo dela no YouTube:
Destaque para as referências a músicas de outras bandas, como Bilhetinho Azul, do Barão, que tocávamos à época, e Leve Desespero, do Capital, que eu escutava na adolescência. O jeito de falar do finalzinho também foi inspirado numa versão ao vivo do Guns n' Roses, onde Axl anuncia Double Talkin' Jive, motherfucker!
Não lembro a data exata em que escrevi a letra, mas sei que foi rápido. A data do arquivo em que provavelmente a compus é de 05/03/2011. Depois, mostrei a Rômulo, que trabalhou aqueles arranjos bem característicos que entraram para a gravação definitiva, e marcamos um dia, perto da minha casa, para gravar o vídeo-protótipo. Nessa época, Nilsinho já havia saído da banda e Rodrigo começava sua aventura como Rodrigo Bispo no Baixo. Camilo já havia voltado também, então os três membros fundadores (Eu, Rômulo e Camilo) começavam a tornar a DB uma banda autoral de verdade. Rômulo havia saído antes dos ensaios para primeiro show, (22/01/2020), e Camilo saiu logo após. A volta dos dois foi fundamental para que o processo de criação se desenrolasse, porque havia uma amizade e confiança mútua de quase 10 anos de música, que rompia aquele medo inicial (comum a toda pessoa) de mostrar uma composição nova a terceiros. A gente criava, a gente mostrava.
Depois de gravada e lançada, passei um bom tempo rejeitando essa música: alguns trechos da letra me pareciam desconcertantes, especialmente a parte do "eu vou fazer um chaveiro com seus olhos azuis". Onde diabos eu estava com a cabeça para colocar um troço desse numa música??? Bom, hoje já a enxergo de uma forma mais bem-resolvida: eu criei uma história, com um personagem. Na história, ele passa por certos estágios psicológicos: primeiro a decepção e o desespero, ao perceber o que houve, depois a raiva, e então, a fúria. É quando ele ameaça a tal garota com tamanha agressividade. Mas a loucura havia tomado conta de tal forma, que logo depois ele passa a tentar outra estratégia ao pedir que devolva seu bem precioso negando o dito anteriormente: "é verdade, acredite! Não lhe farei mal algum". Enfim... Este não sou eu, e sim o personagem, logo, não tenho por que ter vergonha de ser apenas o autor da história. Essa parte do chaveiro sempre era trocada por outra coisa nos shows. Isso responde a pergunta que já me fizeram dezenas de vezes: não, ninguém roubou o meu pendrive!
AS GRAVAÇÕES
Para as gravações, decidimos ir ao estúdio Laborato, do nosso amigo Thomaz Oliveira. Thom foi baterista da The New Old Jam e pertence à banda Café com Blues. Grande músico e compositor. O conheci no mesmo momento em que conheci Rômulo, possivelmente em 2004, indo ao meu primeiro ensaio/teste como vocalista da banda. Ele tocou conosco no primeiro show da DB e compôs os clássicos De Cara no Blues (que era a primeira música autoral da TNOJ) e Na Trilha do Blues. O estúdio, na verdade, era um home studio. Lá, também gravaríamos Missing My Baby alguns meses depois.
LANÇAMENTO E RECEPÇÃO
A música foi lançada em nosso primeiro EP, Aplicando a Lei. Realmente, era a única descontraída do disco, que também foi bastante experimental. Nunca tivemos intenção de torná-la uma das principais em nosso repertório, mas, curiosamente, as rádios passaram a tocá-la com bastante frequência. Nos shows, passou a ser uma das mais pedidas. As pessoas estavam se divertindo com a historinha maluca, com a frase que eu julguei, por bastante tempo, ser de extremo mau gosto. De 2014 até 2017 eu evitei ao máximo tocá-la, para não ter que passar pelo constrangimento de cantar "e vai rolar uma versión", ou algo inaudível no lugar de "eu vou fazer um chaveiro". Muita gente nem deve ter notado, mas EU sim, afinal, antes de qualquer outra pessoa, minhas músicas devem agradar a mim primeiro, e essa não me agradava nem um pouco. Como pode alguém renegar uma criação sua dessa forma? Logo eu, que sempre digo que "uma música é um filho com vida eterna"... Muitas vezes, quando as pessoas pediam muito para tocar, a ponto de não dar mais para negar, eu dizia algo do tipo: "agora a gente vai tocar uma música de autoria do baterista (Nephtali), e se chama 'Você Roubou o Meu Pendrive'". Ele sempre tinha seu microfone posicionado, então negava na hora, de vez em quando. Mas era um clima de diversão. Foi quando comecei a perceber que era pura bobagem minha essa paranoia.Era um vídeo muito simples: alguém filmou, da janela de seu apartamento, uma garota num acesso de fúria, aos berros na porta da casa do ex-namorado, pedindo (ordenando) que ele devolvesse o chip do seu celular. Depois descobri que era madrugada, o que deve ter sido uma maluquice sem tamanho para a vizinhança. O vídeo saiu da internet e ganhou a TV aberta, numa época em que isso ainda era raro. Passou em todos os telejornais, até mesmo no Fantástico. O coitado do Pedro deu entrevistas explicando o acontecido, e até mesmo o taxista que levava a garota teve seus minutos de fama. Todo mundo viu esse vídeo pelo menos uma vez.
Depois de todo o espanto e de dar muita risada da situação, sabe-se lá o porquê, associei esse vídeo a uma situação muito comum em empresas, escolas, etc.: as pessoas pegam coisas emprestadas e não devolvem. O mais comum é canetas, mas, nessa época, o pendrive era bastante popular. Então, se uma pessoa queria imprimir um documento ou levar para alguém (a internet ainda não era tão unânime como hoje: ainda havia lugares sem ela e smartphones eram, ainda, uma desajeitada novidade), ela salvava num pendrive e o levava para tal tarefa. As pessoas costumam esquecer dessas coisas pequenas, que facilmente se perdem em gavetas ou bolsos. Um pendrive não era tão barato, ao menos para mim. Não vi ninguém surrupiando pendrives, mas associei uma coisa a outra. Eu não tinha dinheiro para nada. Ficaria MUITO chateado se alguém roubasse meu único pendrive (o da foto no início do post, que acabei esquecendo numa gráfica, anos depois) dessa forma.
A DB precisava de músicas novas, então, não lembro como, escrevi a letra. Recapitulando, depois da música de Raul, de alguém nos acusar de sérios demais, do vídeo no YouTube, dos roubos de canetas, da necessidade de a DB ter músicas suficientes para lançar um EP autoral e a temática do blues. Imaginei o meu caso, que sempre andava por aí com muitos arquivos importantes no pendrive, muito mais prático e seguro que mídias CD-R. Criei uma historinha, onde um compositor de blues usou o pendrive como back-up de suas letras enquanto formatava o PC. Conheceria uma garota que roubaria seu pendrive enquanto ele dormia. Daí em diante esse personagem seria apenas desespero e fúria. Em 2015 até criei um texto para ser falado nos shows antes de tocarmos essa música (o que nunca aconteceu), e ele ainda está na descrição do vídeo dela no YouTube:
“Era uma vez, um bluesman das antigas, admirado e considerado o maior compositor de sua região. Certo dia, mandou formatar seu notebook e, por segurança, passou todas as suas composições para um velho pendrive, que herdou de seu avô. Letras, partituras, esboços e gravações, Tudo foi para o pendrive. Outra vez, numa noite como esta, conheceu uma linda girl por quem se apaixonou à primeira vista. Conversaram muito, foram pra sua casa e, além de outras coisas, passaram a noite ouvindo suas músicas.
No dia seguinte, para seu espanto, não encontrou mais a garota em sua casa. Procurou por todos os cantos e até pensou que tudo aquilo fora apenas um sonho. Nem mesmo um bilhetinho azul com alguma desculpa encontrou. Foi então que, sob um leve desespero, descobriu que seu pendrive também havia sumido. Nesse momento, tomado pela fúria e loucura dignos de quem perde os filhos no carnaval de Salvador, foi atrás da agora ex-paixão e escreveu mais um blues, conhecido por Você Roubou o Meu Pendrive”.
Não lembro a data exata em que escrevi a letra, mas sei que foi rápido. A data do arquivo em que provavelmente a compus é de 05/03/2011. Depois, mostrei a Rômulo, que trabalhou aqueles arranjos bem característicos que entraram para a gravação definitiva, e marcamos um dia, perto da minha casa, para gravar o vídeo-protótipo. Nessa época, Nilsinho já havia saído da banda e Rodrigo começava sua aventura como Rodrigo Bispo no Baixo. Camilo já havia voltado também, então os três membros fundadores (Eu, Rômulo e Camilo) começavam a tornar a DB uma banda autoral de verdade. Rômulo havia saído antes dos ensaios para primeiro show, (22/01/2020), e Camilo saiu logo após. A volta dos dois foi fundamental para que o processo de criação se desenrolasse, porque havia uma amizade e confiança mútua de quase 10 anos de música, que rompia aquele medo inicial (comum a toda pessoa) de mostrar uma composição nova a terceiros. A gente criava, a gente mostrava.
Depois de gravada e lançada, passei um bom tempo rejeitando essa música: alguns trechos da letra me pareciam desconcertantes, especialmente a parte do "eu vou fazer um chaveiro com seus olhos azuis". Onde diabos eu estava com a cabeça para colocar um troço desse numa música??? Bom, hoje já a enxergo de uma forma mais bem-resolvida: eu criei uma história, com um personagem. Na história, ele passa por certos estágios psicológicos: primeiro a decepção e o desespero, ao perceber o que houve, depois a raiva, e então, a fúria. É quando ele ameaça a tal garota com tamanha agressividade. Mas a loucura havia tomado conta de tal forma, que logo depois ele passa a tentar outra estratégia ao pedir que devolva seu bem precioso negando o dito anteriormente: "é verdade, acredite! Não lhe farei mal algum". Enfim... Este não sou eu, e sim o personagem, logo, não tenho por que ter vergonha de ser apenas o autor da história. Essa parte do chaveiro sempre era trocada por outra coisa nos shows. Isso responde a pergunta que já me fizeram dezenas de vezes: não, ninguém roubou o meu pendrive!
AS GRAVAÇÕES
Para as gravações, decidimos ir ao estúdio Laborato, do nosso amigo Thomaz Oliveira. Thom foi baterista da The New Old Jam e pertence à banda Café com Blues. Grande músico e compositor. O conheci no mesmo momento em que conheci Rômulo, possivelmente em 2004, indo ao meu primeiro ensaio/teste como vocalista da banda. Ele tocou conosco no primeiro show da DB e compôs os clássicos De Cara no Blues (que era a primeira música autoral da TNOJ) e Na Trilha do Blues. O estúdio, na verdade, era um home studio. Lá, também gravaríamos Missing My Baby alguns meses depois.
Tudo foi feito em três sessões: 30/03/2011 (vozes e violões), 05/04/2011 (baixolão) e 07/04/2011 (efeitos sonoros e ajustes). Foi a primeira experiência em estúdio de Rodrigo. Acabou não dando muito certo e o baixo foi refeito por Thomaz, seguindo a linha criada por ele. O som natural do baixolão (que era meu) era legal, mas plugado era um lixo. Esse baixolão foi usado nas gravações do álbum Orgânico, em 2014, que foi uma tosqueira sem fim e terá seu próprio artigo posteriormente. No último dia de gravações, aproveitamos a presença de Maria Clara, filha de Thomaz, para gravar um "moss" com Camilo.
Nossa cidade, Vitória da Conquista-BA, é completamente diferente dos estereótipos do estado, geralmente associados à capital. Ficamos próximos à fronteira com Minas Gerais e, por isso, nos parecemos muito mais com mineiros. Uma expressão local BASTANTE característica é esse "moss", uma variação de "moço", equivalente a um "rapaz!" (tipo o do Xaropinho, do Ratinho da TV), comum em situações de espanto. Na verdade o "moss" é usado em diversas situações, e sua entonação varia, mas esse "moss" específico é o de espanto. Ele aparece justamente depois do trecho "eu vou fazer um chaveiro com seus olhos azuis". A ideia é a de que um conquistense, ao ouvir uma frase tão forte, certamente soltaria um "moss!" como reação.
Nessa hora, pensei em aproveitar para gravar mais alguma coisa com a voz dela. Umas risadas seriam o ideal (para provar que não somos tão sérios quanto se pensava). Então, Pedi a Camilo que fizesse cócegas enquanto Thomaz gravava tudo. O resultado ficou exatamente como eu havia imaginado, e está eternizado na gravação. Numa das versões "Karaoke-Joes" ainda coloquei um trecho maior das risadas. Nesse dia, ainda tivemos a participação de Tales Dourado, vocalista da banda Randômicos, e enteado de Thomaz, gravando alguns "droga, girl!" com Camilo.
Não sei bem por que decidimos deixá-la completamente acústica, mas deu muito certo. O instrumental dela é limpo e bem feito. A música não pedia mais que isso. É um legítimo blues brasileiro do século XXI. A bateria ficou por conta de Thomaz que, por não ter espaço para uma em seu estúdio, criou eletronicamente, mas de uma forma que ele tocaria no mundo real, como nos disse à época. A virada do início deu bastante dor de cabeça a todos os bateristas que vieram depois de seu lançamento.
LANÇAMENTO E RECEPÇÃO
Até hoje, esta é uma das músicas mais populares entre nosso público. Sempre pedem para tocá-la. Realmente, é um filho com vida eterna que coloquei no mundo.
KARAOKE-JOES EDIT
Quando gravamos 2012, Miopia, a banda já havia decidido encerrar as atividades, depois de uma série de decepções. Como tínhamos uma dívida de cachê para receber, que foi convertida na gravação desse outro clássico nosso, pensei que uma só música era muito pouco. Eu só lembrava daqueles discos de singles de antigamente, que eram chamados de compactos aqui no Brasil. Eu precisava de uma segunda faixa para o "lado B". Thomaz havia me passado todas as pistas de Pendrive separadas, o que me permitia criar infinitas versões da música (inclusive ainda pretendo compor uma outra letra e gravar com esse instrumental, porque eu realmente gosto muito desses violões). Vi que alguns artistas estavam lançando versões "karaokê" nas novas plataformas de streaming. O MP3 já passava a ser, gradativamente, coisa do passado. Sempre achei interessante ver versões diferentes de uma música que eu gosto. Por que não fazer o mesmo aqui?
Ludoblues (que deu o nome à banda, interpretou Robert Johnson no clipe de Na Trilha do Blues e contribuiu bastante para nossa identidade e terá um artigo próprio também), irmão de Rodrigo, sempre me mandava uns áudios malucos, com ele tocando violão em casa. Os celulares ainda não eram smart, então a qualidade do áudio era como a de Extempore Blues: toscas, como se tivessem sido gravadas em 1920. Pensei: "perfeito"! Juntei com uns aúdios que eu já tinha (como o chiado do disco de Missing My Baby), editei uma dessas gravações de Lú e estava criada a primeira versão sem voz de uma música da DB. "Agora... Mais uma dose de blues. Come on!". Nesta, a risada de Maria Clara ficou de fora.
OUTRAS VERSÕES
Depois, ela ainda apareceu no álbum Shut Up!, com outra mixagem, sem a apresentação de Ludoblues, nem o barulho do Windows XP, mas com a risada. Temos, ainda, um registro ao vivo nas CCCJL Sessions, gravadas em 2016, projeto gravado no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, antes de ser reformado. Nessa série de vídeos, sempre falávamos um pouco sobre cada música gravada.
A música ainda se fez presente em 2014, na letra de Charity and Mercy. Aqui, Camilo fez referência a várias canções da banda, e Pendrive aparece no trecho "We got no eye key ring, that thing / should give me back it even". O trauma da perda foi realmente profundo.
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