Plácido Oliveira no estúdio da Mega. Foto: Danilo Souza

Danilo Souza

Um dos principais pesquisadores e historiadores da música em Vitória da Conquista, Plácido Oliveira documenta as obras dos artistas do passado e do presente em seu projeto “Memória Musical do Sudoeste da Bahia”, além de também continuar na ativa como músico no Distintivo Blue. Com anos de dedicação na área, chegando a escrever uma dissertação de mestrado sobre a cena Rock no município, ele tem muita história para contar.

Nessa entrevista, Danilo Souza e Plácido conversam sobre o que é ser artista em uma cidade do interior, como Vitória da Conquista, e as dificuldades enfrentadas para documentar o trabalho de bandas locais.


O Dentro da Cena é produzido e apresentado por Danilo Souza, com apoio e publicação da Mega Rádio

Danilo: Plácido, quando surgiu o seu interesse pela música?

Plácido: Bom, como artista, acho que sempre teve comigo. Quando eu era criança, eu era mais ligado na arte das histórias em quadrinhos, tanto que meu primeiro emprego foi como roteirista de histórias em quadrinhos freelancer na Mauricio de Sousa Produções. Quando eu fui chegando ao final da adolescência, eu tive contato com o pessoal da cena rock daqui de Conquista. Eu estudava ali no Paulo VI, conheci o pessoal e aí meio que “troquei de arte”, comecei a me interessar pelos bastidores da música e nos ensaios das bandas. E aí eu percebi que eu também poderia cantar.

Eu comecei a fazer parte da banda TomaRock, depois eu fui pra uma banda chamada The New Old Jam e em 2009 eu fiz a Distintivo Blue, que já é essencialmente autoral e voltada pro blues.

Danilo: Quais influências formam sua visão sobre música e cultura?

Plácido: A maioria dos blueseiros brasileiros tem primeiro um contato com o rock clássico dos anos 60 e 70, como Led Zeppelin e Deep Purple, que era o estilo da TomaRock e da The New Old Jam. Eu fui me interessando mais por música mais velha do que pelas músicas de momento, sempre tive essa sensação quando era adolescente, que todo mundo buscava as músicas do momento e eu não.

Eu me interessava por músicas que eram da época da minha mãe ou da época da minha avó.Comecei com Guns n’Roses, Dire Straits, que até hoje é uma das bandas que eu mais gosto e que eu mais admiro dos anos 80, Legião Urbana, Raul Seixas, eu fui pegando as influências desse pessoal. Aí cada vez mais para trás, Muddy Waters, Rolling Stones também, até chegar em Robert Johnson, por exemplo, de 1927.

O músico e historiador Plácido Oliveira. Foto: Plácido Oliveira

Danilo: Você se lembra do momento em que percebeu que queria dedicar parte da sua vida a preservar a memória musical da região?

Plácido: Bom, eu acho que isso tem origem no meu interesse por bastidores, eu sempre gostei de entender os bastidores das coisas, então eu gostava muito de ouvir música de videogame. Eu gravava as trilhas sonoras do Street Fighter II, do Sonic, de várias coisas, e ouvia. Eu gostava de ter essa sensação de que eu tenho acesso a algo dos bastidores e geralmente a pessoa tá jogando ali e nem presta atenção na música.

Em 2001 eu fiz o vestibular para História na UESB, foi o primeiro vestibular que eu fiz, eu consegui passar e comecei a cursar. Coincidentemente, nessa época que eu estava começando a ter acesso com a cena rock e ter acesso aos bastidores das bandas. E nessa época a sensação que a gente tinha é que algo muito grande e inédito tava acontecendo, porque nós tivemos movimentações de rock em Conquista desde os anos 80 ou até antes, mas aquela sensação de cena, de movimento de todo mundo, todos por todos, isso aí me deu a clara sensação de que eu tava vivendo alguma coisa interessante.
 
A primeira edição da BLUEZinada!, um dos projetos de Plácido, em 2011. Foto: Plácido Oliveira

Danilo: Quais critérios você usa para escolher os artistas e registros que compõem o projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia?

Plácido: Qualquer manifestação artística, porque é a memória musical do sudoeste da Bahia, memória musical, ou seja, relacionada à música, não necessariamente de música em si. Então não é só o músico e nem só o músico do sudoeste da Bahia, às vezes é um músico de fora que tá passando por aqui e dá uma entrevista. Tá valendo!

É uma coisa muito ampla, tem a ver com música e é associada a nossa região. Então se você está aprendendo a tocar violão, compôs sua primeira música, tá naquela fase de ainda não ter coragem de mostrar pra ninguém, você também é bem vindo. Se quiser mandar seu release, tá lá, é só entrar em contato, as portas estão sempre abertas, escancaradas. Se você gosta de escrever sobre música, a gente tem a fanzine, que é um dos principais subprojetos. Quer escrever um texto para ser publicado na próxima edição? Manda, se couber no formato, a gente faz. Se não couber, a gente bota no site.

Danilo: Como você vê a relação entre música e mercado? O Sudoeste baiano é devidamente reconhecido no cenário estadual e/ou nacional?

Plácido: A questão é que quando se fala em mercado musical, é um mundo completamente diferente. Elomar veio de uma época lá no final da década de 70, numa época em que para você ouvir alguém na rádio, necessariamente essa pessoa passou por uma gravadora e teve toda aquela questão de empresa com o artista e tal. A gravadora era quem decidia o que você ouvia, você não tinha muita liberdade. Esse era o mundo de Elomar. Então, uma gravadora, a Kuarup, chegou e viu que ele era um grande artista, investiu, gravou o LP, distribuiu e ele é mundialmente famoso por isso.

A Dona Iracema já tá num mundo completamente diferente. Esse podcast vai tocar no mesmo Spotify que o Led Zeppelin toca, a gente não teve que pagar R$1 milhão pra poder estar nessa mesma plataforma. Então a gente tá muito no nicho da música, do rock independente… Dona Iracema é grande, mas no mainstream ninguém sabe quem é, assim como no mainstream, hoje em dia, pouca gente sabe quem é Elomar. Hoje, a gravadora já não tem mais tanto poder, o poder da gravadora hoje em dia, basicamente, é grana para investir em divulgação.

Plácido Oliveira em uma apresentação da sua banda, a Distintivo Blue. Foto: Emerson Marvin


Danilo: Como a tecnologia tem ajudado – ou dificultado – esse processo de arquivamento e divulgação da música local?

Plácido: Para mim não faz muita diferença, porque quando eu comecei já era a internet já tava caminhando a passos largos. Tudo bem, eu tinha mais material físico para poder ir numa banca de revista, pegar uma revista e tal, mas não tinha tanto livro, por exemplo, como hoje. Quando eu fiz meu TCC de História sobre Luiz Gonzaga, eu tenho lá uns dez livros sobre Luiz Gonzaga, mas quando eu comecei não tinha.

Hoje você tem muita informação, às vezes até atrapalha. Você pode ter também o banco de Teses da CAPES para pegar todas as dissertações de mestrado, teses de doutorado sobre o tema que você quiser e fazer sua pesquisa, isso é bom, mas também deixa você meio pirado. Se você não tiver método, você não sai do lugar. Eu mesmo já passei por isso aí de falar assim “velho, eu não tenho capacidade de ler tudo até eu chegar aos 90 anos de idade, então eu tenho que filtrar”. Você tem muita coisa de tudo, mas você tem que ter foco e método de pesquisa.

Danilo: O que você sente ao ajudar outros artistas da cidade a terem o seu trabalho publicado nas plataformas, como o Spotify, através do Toca Autoral!, subprojeto de Memória Musical do Sudoeste da Bahia?

Plácido: Toca Autoral é em alusão ao Toca Raul, né, que eu considero como se fosse um símbolo da música cover, então é uma forma de contrariar mesmo esse conceito para valorizar mais o trabalho autoral. Aí eu gravo seis músicas deles em áudio e vídeo e faço pequenas entrevistas para falarem da própria história e explicarem cada uma das músicas. A pessoa tem que ser do Sudoeste da Bahia ou estar morando no sudoeste da Bahia. Tanto que o primeiro participante do toca autoral foi Paulo Bergeron, que é de Los Angeles, mas escolheu morar aqui com a família dele. E eu lembro do primeiro teaser do Toca Autoral era assim: “Artistas da região, nativos ou não”.

Eles [os artistas que participaram do Toca Autoral] cumpriram todos os pré-requisitos, a seleção é rígida mesmo, porque ela subentende que você quer levar a sua carreira a sério, você tem que realmente levar a sério. Teve projetos que se inscreveram para tocar, que eu até conheci e falei “pô, esse cara é um baita de um músico, tem umas músicas legais”, mas aí o cara não se dá o trabalho de escrever um release.

Da esq. para dir.: Naúfrago Urbano, Paul Bergeron, Weldon França, participantes da primeira temporada do Toca Autoral!, e Plácido Oliveira. Foto: Plácido Oliveira.


Danilo: Se você tivesse que resumir em uma frase o seu trabalho de preservar a memória musical de Vitória da Conquista, o que diria?

Plácido: Preservar a música local é necessário, em todos os sentidos da palavra, e demorou. É isso, é necessário e demorou.

------
Publicado originalmente em 31/05/2025, em Mega Rádio VCA.