“Alguns desses lançamentos são como velhos e verdadeiros amigos, daqueles que podem até sumir de vez em quando, mas quando reaparecem é como se nada houvesse mudado. O mesmo nível de intimidade e afeto continua intacto.”

O músico, pesquisador e historiador Plácido Oliveira. Foto: Arquivo pessoal
“Escolher cinco álbuns essenciais não é tarefa simples para quem respira música há mais de quatro décadas…”, foi o que disse o pesquisador e historiador Plácido Oliveira, responsável pelo projeto Memória Musical do Sudoeste da Bahia, site que documenta cada passo do que acontece no cenário local de Vitória da Conquista, ao ser convidado para participar do “O que cresci ouvindo”. De fato, para um apaixonado por música e que vê discos como amigos, pode não ser tão fácil. Mas ele aceitou a tarefa.
Sua lista traz nomes do rock brasileiro e internacional, além de Robert Johnson, uma grande referência para Plácido, que também é músico na banda Distintivo Blue, e o conterrâneo Elomar, um conquistense que furou a bolha e teve canções gravadas por Fagner e Elba Ramalho, por exemplo. “Alguns desses lançamentos são como velhos e verdadeiros amigos, daqueles que podem até sumir de vez em quando, mas quando reaparecem é como se nada houvesse mudado. O mesmo nível de intimidade e afeto continua intacto”, reforça o pesquisador.
Em maio, Plácido participou do quadro “Dentro da Cena” e contou mais detalhes sobre os seus projetos de pesquisador e músico em uma conversa com Danilo Souza. Na ocasião, ele já havia falado sobre parte das suas referências musicais. “Eu me interessava por músicas que eram da época da minha mãe ou da época da minha avó. Comecei com Guns n’Roses, Dire Straits, que até hoje é uma das bandas que eu mais gosto e que eu mais admiro dos anos 80, Legião Urbana, Raul Seixas, eu fui pegando as influências desse pessoal”, relembra.
Leia a seguir a lista dos cinco discos que mudaram a vida de Plácido Oliveira.
Dire Straits – On Every Street (1991)
Sexto e último álbum da discografia do Dire Straits, o disco “On Every Street” chegou ao público em 9 de setembro de 1991, seis anos após o aclamado “Brothers In Arms”. Para Plácido, apesar do “On Every Street” não ter tanto sucesso comercial quanto o seu antecessor, é um disco “ainda mais maduro, como um bom whisky escocês. Simplesmente brilhante”.
“Mark Knopfler é um dos artistas mais coerentes que conheço. Sua música sempre me transmitiu a união perfeita entre competência, criatividade e elegância, sem excessos ou faltas. On Every Street, último álbum de estúdio do Dire Straits, impecavelmente gravado, mixado e masterizado, encerrou com maestria o ciclo iniciado na década de 70 (simultaneamente à explosão punk, contrariando a hostilidade da época reservada aos “guitar heroes”), sinalizando o que viria dali em diante, em sua carreira solo, igualmente brilhante. Sem dúvida é o meu guitarrista favorito e um grande exemplo de alguém que soube, seguindo os passos de Dylan, utilizar uma voz aparentemente sem grandes recursos a seu favor, imprimindo tamanha personalidade a ponto de ser impossível imaginar outra pessoa ao microfone. Este não foi um álbum tão conhecido quanto seu antecessor, Brothers in Arms (1985), mas considero tão rico quanto, e ainda mais maduro, como um bom whisky escocês. Simplesmente brilhante.”
Pink Floyd – The Dark Side of The Moon (1973)
“Sempre que escuto descubro ou sinto algo novo”, relatou Plácido sobre a obra-prima do Pink Floyd, que também apareceu na lista dos cinco discos favoritos de Danilo Souza. O pesquisador admite que, apesar de escolhido o “The Dark Side of The Moon”, gosta de escutar os álbuns da considerada fase de ouro da banda – que para ele começa no “Meddle”, de 1971 e vai até o “Animals”, de 1977, deixando de fora o “The Wall”, de 1979, o favorito do baixista e letrista Roger Waters.
“O grande clássico dos álbuns conceituais é repleto de camadas escondidas. Sempre que escuto descubro ou sinto algo novo. Reflete um momento extremamente criativo da banda, e ainda não contaminado pelos pesados conflitos internos. Também é bem interessante conferir as inúmeras releituras do álbum por outros artistas, em gêneros como o reggae, chiptunes e até mesmo guitarrada paraense, além das versões ao vivo (eles quase sempre executavam o álbum inteiro em seus shows) e a mais recente, pelo próprio Roger Waters, de sonoridade bem diferente e recheada de seus discursos. Também gosto de escutar, na sequência, o Meddle (1971), o The Dark Side of The Moon (1973), o Wish You Were Here (1975) e o Animals (1977) como capítulos de um único livro, dada a perfeição com que se conectam, contando a história da banda e os temas escolhidos para abordarem musicalmente. Vale, ainda, escutar em sincronia com ‘O Mágico de Oz’ (‘The Dark Side of the Rainbow’), ler os livros e assistir aos documentários sobre esta obra-prima. É uma fonte inesgotável de inspiração.”
Robert Johnson – The Complete Recordings (1990)
Cercado pela lenda de que “vendeu a alma ao diabo” para ficar famoso, Robert Johnson é um dos mestres do Blues. Entre novembro de 1936 e junho de 1937, o músico gravou 41 faixas que posteriormente foram agrupadas na compilação “The Complete Recordings”, lançada somente em 1990.
“Se você quer conhecer a verdadeira alma do blues é neste álbum que a encontrará, em todos os sentidos: a figura mítica que supostamente vendeu sua alma para aprender a tocar e encontrou seu fim de forma trágica pouco tempo depois, o violão tão bem tocado a ponto de soar como dois instrumentos simultaneamente, a configuração harmônica que se tornou o padrão do gênero em todo o mundo e as letras profundas e perigosas como o próprio Rio Mississippi. Tudo isso gravado em cinco sessões, entre 1936 e 1937, uma delas em um quarto de hotel adaptado como estúdio, faz a perfeita conexão entre o blues rural acústico primitivo com o futuro elétrico e urbano que seria encabeçado por Muddy Waters, anos depois. Assim como não existe forró sem a influência de Luiz Gonzaga, não existe, por conta destas faixas, blues posterior ou qualquer rock sem alguma dose de Robert Johnson.”
Raul Seixas – Gita (1974)
Segundo disco da carreira solo de Raul Seixas, “Gita” consolidou o cantor baiano entre os artistas de sucesso no Brasil dos anos 70. Sucessor do “Krig-ha, bandolo!”, o LP tem como destaque a parceria entre Raul e o escritor Paulo Coelho, que já existia no Krig-ha e que ficou ainda mais assertiva. No disco, estão faixas como “Sociedade Alternativa” – que chamou atenção dos militares e foi usada como um “motivo” para a prisão e a tortura de Paulo, a própria faixa-título, uma das cem maiores canções da história da música brasileira, de acordo com a Revista Rolling Stone, e “Medo da Chuva”.
“Meu ídolo musical máximo ‘ainda hoje me comove’. Raulzito não era apenas um exímio letrista, mas um grande e visionário produtor, capaz de inserir, em seus álbuns, mensagens altamente profundas, envoltas em arranjos perfeitos, executados por grandes músicos. Escutamos, em uma só faixa, os instrumentos típicos do rock n’ roll, do baião, além de naipes de sopro, cordas, harpas, pianos, elaborados trabalhos de backing vocals e tudo o mais. Assim como com o Pink Floyd, gosto de escutar, como se fossem uma obra única, o Krig-ha, Bandolo! (1973), Gita (1974) e o Novo Aeon (1975), sendo difícil decidir qual ‘capítulo’ seria o mais inspirado. Aqui temos o auge da parceria entre o ícone maior do rock brasileiro e seu principal parceiro, Paulo Coelho, responsável por tornar o ‘raulseixismo’ uma espécie de religião não-oficial, viva até hoje. Raul conseguiu, ao mesmo tempo, se tornar Bob Dylan, Elvis Presley e John Lennon, suas grandes referências, em um lugar e momento histórico particularmente perigosos para pessoas tão abertamente transgressoras, revelando também o alto nível de coragem que carregava em nome do que acreditava. Raul não apenas fazia rock n’ roll: ele É o próprio rock n’ roll.”
Elomar – … Das Barrancas do Rio Gavião (1972)
Álbum de estreia de Elomar, “... Das Barrancas do Rio Gavião” foi lançado quando o artista já tinha os seus trinta e poucos anos e foi na contra-mão de outros artistas baianos relacionados ao Tropicalismo, como Caetano Veloso – que admitiu, em 2009, no Jornal A Tarde, ter escrito a faixa “Beleza Pura” ao se inspirar na canção “O Violeiro”, de Elomar. O disco é sobre a simplicidade, o sertão e as suas figuras, a exemplo do jagunço e do vaqueiro.
“O álbum de estreia do nosso ilustre conterrâneo Elomar foi o responsável por mudar toda história e identidade musical da região: sua figura carregada de misticismo tornou-se um personagem que desperta admiração e a curiosidade de muitos mundo afora. A partir deste trabalho a musicalidade do sudoeste baiano passou a tomar uma forma típica e ‘exportável’, criando uma verdadeira escola estética tão rica quanto dual: ao mesmo tempo em que mantém vivas as temáticas do povo simples da zona rural, remonta a cenários da Europa medieval com surpreendente naturalidade, utiliza instrumentos sinfônicos e adquire um caráter consideravelmente elitista. Elomar é o ‘caatingueiro erudito’, revelando um sertão distinto do cantado por Luiz Gonzaga, evidenciando nunca ter existido um só nordeste, ao contrário do que costuma simplificar o eixo Rio-São Paulo, onde se desenvolveu o mercado fonográfico e midiático brasileiro. Elomar é o líder incontestável de uma corrente musical formada por inúmeros grandes músicos, a começar pelo também icônico Xangai. Este foi o álbum que me apresentou ao seu universo. Considero como um dos mais representativos da nossa identidade cultural. Audição obrigatória para todos os interessados em música-arte, para muito além da música-produto.”
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